O diagnóstico de doenças genéticas é por muitas vezes desafiador. Um dos motivos para isso encontra-se no fato de existirem uma infinidade de doenças com causas genéticas conhecidas e, dentre elas, cerca de 8.000 doenças raras identificadas. Uma doença rara é dita quando afeta 1,3 a cada 2 mil indivíduos na população. Isso nos dá uma dimensão do quão especializado precisa ser um médico para correlacionar os sintomas de um paciente a uma possível hipótese de doença rara. Infelizmente, no Brasil, temos somente 332 médicos geneticistas, o que nos dá cerca de 1 médico a cada 640 mil habitantes, tornando a jornada de um paciente raro extremamente longa até a conclusão diagnóstica.

Ainda, além das doenças raras, temos doenças que são ditas multifatoriais, ou seja, aquelas que acontecem quando há alterações genéticas somadas a fatores ambientais (por exemplo, dieta, consumo de produtos a base de tabaco). As doenças multifatoriais são extremamente complexas de serem estudadas e geralmente incluem estudos com milhares de indivíduos. São exemplos de doenças multifatoriais a hipertensão arterial e a obesidade.

Felizmente, o avanço de técnicas de biologia molecular ao longo das últimas décadas tem revolucionado o campo do diagnóstico e pesquisa de doenças genéticas humanas. O sequenciamento de nova geração, também conhecido como NGS (Next Generation Sequencing), é um desses exemplos. Mas será que estamos preparados para interpretar, clinicamente, os 3 bilhões de pares de bases do genoma humano?  

Recentemente, a revista Science publicou um trabalho que desvendou 8% de regiões importantes do genoma humano, nunca antes cobertas no genoma humano de referência atual, sendo chamado pelos autores de “genoma verdadeiramente completo”. Contudo, os próprios autores reconhecem a imensa diversidade das variações genéticas, que podem existir de pessoa para pessoa, e a necessidade de desenvolvimento contínuo de estratégias de análises.

No ramo do diagnóstico genético, o NGS tem ajudado a solucionar casos de deficiência intelectual (DI), por exemplo, identificando novos genes associados. A DI de causa genética, é responsável por mais de 1.700 doenças com DI associada  ̶  alterações faciais, doenças sistêmicas, autismo, epilepsia, alterações neuromusculares, todas características que podem estar associadas a ela. Esse panorama de diversidade de sintomas e múltiplos genes causativos, somado a casos que nem sempre apresentam recorrência na família, geralmente leva a atrasos diagnósticos que impactam na condução de atividades terapêuticas e qualidade de vida da pessoa com DI. Atualmente, o padrão-ouro de testes moleculares utilizados para auxiliar o diagnóstico molecular da deficiência intelectual e alterações do desenvolvimento (AD) incluem a hibridação genômica comparativa (array-CGH), teste do X-frágil e sequenciamento de exoma completo pela técnica de NGS. Ainda assim, cerca de 50% dos pacientes permanecem sem uma conclusão molecular diagnóstica. O motivo para isso é porque nem todas as regiões do DNA tem uma função conhecida ou ainda não foram associadas a doenças ou a alguma característica clínica. Contudo, antes da disponibilidade dos testes baseados em NGS, 80% dos pacientes com DI/AD permaneciam sem causa genética definida, reforçando a relevância do avanço da ciência e tecnologia na condução clínica e na vida dos pacientes e familiares. Sem um diagnóstico molecular, ações de aconselhamento genético, testes pré-natais, prevenções e tratamento personalizado (se existente) ficam bastante comprometidas.

Além da importância dos testes genéticos para pacientes que já apresentam sintomas, eles também estão incluídos na triagem neonatal e nos testes confirmatórios de diversas doenças realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou a serem contempladas pela Lei Federal 14.153 de Maio/2021, no teste do pezinho. Nesses casos, eles são imprescindíveis para o correto tratamento precoce, já que nem sempre os sintomas clínicos são facilmente correlacionados a uma doença rara no recém-nascido. Incluem-se no cenário do teste do pezinho os testes também baseados em PCR em tempo real, hoje aplicados para a triagem de erros inatos da imunidade e da atrofia muscular espinhal.

Enquanto nem todas as causas genéticas são elucidadas pela biologia molecular e testes como o NGS, a comunidade científica continua vigilante. Plataformas internacionais de troca de informações, que podem correlacionar alterações genéticas a sintomas clínicos, têm facilitado a conexão de médicos e cientistas e ajudado a definir novos genes causadores de doenças genéticas. Como estratégia em cenários diagnósticos e de pesquisa, deve-se sempre levar em consideração a clínica do paciente e o equilíbrio de tempo e recursos financeiros despendidos em testes genéticos, visando sempre a probabilidade de encurtar a odisseia diagnóstica de pacientes com doenças genéticas, raras e de suas famílias, com foco na melhor chance de qualidade de vida.

Escrito por Dra. Vanessa Romanelli Tavares

Bióloga, Doutora e Pós-doutora em Genética pela Universidade de São Paulo. Pesquisa Cliníca pela Harvard School of Public Health. Atualmente é Pesquisadora e Supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do Serviço de Referência em Triagem Neonatal no Instituto Jô Clemente. Atua em projetos de doenças raras, triagem neonatal e testes genéticos.