Na etimologia, a palavra fotografia surge do grego phos, que significa “luz”, e graphein, que quer dizer “marcar”, “desenhar” ou “gravar”, ou seja, a fotografia (phos graphein) parte da possibilidade de se desenhar com a luz.

A partir deste fenômeno, é desenvolvida a tecnologia em que o objeto feito a partir da câmera obscura, projeta em seu interior a imagem externa iluminada, que passa por um pequeno orifício marcando-a numa placa sensibilizada com químico fotossensível, produzindo, assim, uma imagem que posteriormente será revelada (imagem latente).

 Este processo foi fruto das inquietações e experimentos realizados pelos cientistas e entusiastas da imagem. Joseph Nicéphore Niépce (1763-1828) em parceria com Louis Jacques Mandé Daguerre (1789-1851), assinou e vendeu o projeto para o governo francês. O equipamento foi batizado de Daguerreótipo e apresentado no século XIX na França, no dia 19 de agosto de 1839.

É importante destacar que processos similares ao equipamento foram desenvolvidos também por outros cientistas, inclusive no Brasil na figura de Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879), um viajante francês radicado em São Paulo que descobriu o processo de gravação através da luz em 1832 segundo as pesquisas realizadas pelo fotógrafo, jornalista e pesquisador brasileiro Boris Kossoy, entre 1972 e 1976.

Desde seu surgimento, a fotografia passou a produzir imagens que ilustram a história. Vale destacar as missões heliográficas, uma ordem pública francesa que em 1851 encomendada pela Comissão de Monumentos Históricos, solicitou aos fotógrafos Henri Le Secq, Gustave Le Gray, Auguste Mestral, Édouard Baldus e Hippolyte Bayard, a produção de fotografias de edifícios históricos. No Brasil, figuras como a de Militão Augusto de Azevedo, Assis Alves Horta, Chichico Alkmim foram responsáveis por produzir imagens de pessoas e paisagens da primeira parte do século XX, enquanto os contemporâneos Nair Benedicto, Claudia Andujar, Walter Firmo, entre outros, foram responsáveis por documentar a identidade e o cotidiano do povo brasileiro em imagens fotográficas.

Com a invenção e aperfeiçoamento da fotografia digital, em paralelo com a internet e as redes sociais, podemos dizer que de certa forma há uma democratização e maior popularização da imagem e de seu uso. Hoje, crianças, jovens, adultos e idosos de diferentes classes sociais, manuseiam celulares com câmera.

Ao longo da história, a fotografia ficou restrita a pequenas parcelas privilegiadas da sociedade, por seu alto custo e por exigir conhecimentos técnicos específicos de produção. Porém, nos dias atuais, as imagens fotográficas são instantâneas e em poucos segundos podem ser visualizadas por milhares de pessoas no mundo inteiro.

De acordo com o Censo 2010, quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declararam ter deficiência mental ou intelectual ou algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas, como enxergar, ouvir ou caminhar.

Aqui no Instituto Jô Clemente (IJC), nos serviços de Inclusão Profissional e Longevidade, uma das atividades terapêuticas e de reabilitação para jovens, adultos e idosos com deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista (TEA) é a fotografia. Tenho notado o grande interesse pela imagem fotográfica, tanto pelos mais velhos no que se refere a preservação das suas memórias e histórias, quanto com os mais jovens, interessados em documentar suas experiências cotidianas ou até mesmo a relação com a auto-imagem a partir das selfies, por exemplo. Acredito que a apropriação da imagem, a partir da fotografia, seja um possível caminho para a inclusão da pessoa com deficiência.

Em sala de aula são apresentadas e discutidas referências da história da arte, história da fotografia, fotografia autoral, documental, fotojornalismo e artística. Após a sensibilização, são dedicados dias para uma jornada fotográfica formada por 5 a 10 pessoas, com circulação pelo bairro da Vila Clementino – São Paulo, em torno da unidade. Para além dos resultados fotográficos, é importante destacar os benefícios terapêuticos singulares destas circulações, como observação, sensibilização, foco, compreensão, noção espacial, interação e, também, estímulo ao pensamento crítico. Após a captação de imagens na rua, são apresentados em sala de aula os resultados para avaliação do processo.

Para a grande maioria das pessoas com deficiência intelectual, muitas vezes, os espaços são negados, e a fotografia pode servir como uma ferramenta para apropriação destes espaços. Vale ressaltar que a qualidade fotográfica desenvolvida neste processo é excepcional.

A partir das subjetividades desses olhares singulares, esses fotógrafos produzem novas imagens e imaginários sobre o cotidiano, e nos apresentam sua poesia, suas narrativas sobre a cidade e sobre si mesmos.

Referências

Hercule Florence. A Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil, de Kossoy, Boris

André. Rouillé: A Fotografia Entre. Documento e Arte. Contemporânea. São Paulo: Senac, 2009

Susan Sontag – Sobre Fotografia, Sobre fotografia , ganhador do National Book Critic Circle Award de 1977

Sobre o autor:

Allan Cunha tem 30 anos, é fotógrafo, videasta e professor, graduado em fotografia e pós graduando em arteterapia. Educador responsável pela oficina de fotografia no Instituto Jô Clemente (IJC) desde 2021, é integrante do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás (CPDOC Guaianás) desde 2015, desenvolve trabalho artístico e documental fotográfico há mais de 10 anos, realizou e participou de exposições coletivas e individuais. Teve trabalhos publicados em jornais, revistas e livros de cunho científico no Brasil e exterior. É artista representado pela Porto de Cultura, e autor do fotolivro Mergulho.