Meu nome é Ronie Vitorino Pires de Novais, tenho 29 anos, moro em São Paulo, capital. Toco guitarra, violão, contrabaixo e já tive cinco bandas. Fiz aulas de canto e me apresentei em festas e casamentos. Tenho uma vida como a de qualquer outra pessoa: faço café da manhã todos os dias, jogo bola, procuro emprego e aos finais de semana, quando sobra grana, levo meus sobrinhos ao cinema.
Talvez, se você passasse por mim na rua, nem perceberia que eu tenho deficiência intelectual e me trataria como um ser humano “normal”. Minha vida foi assim até os 17 anos, quando recebi o diagnóstico da pior forma possível. Estava cursando o oitavo ano, após repetir duas vezes. A inspetora entrou na sala e perguntou: “Quem é o Ronie?” Levantei a mão e ouvi em alto e bom som: “Ronie, você tem deficiência intelectual”. Ali, o meu mundo mudou e perdi praticamente todos os meus amigos.
Na escola, antes de saberem da minha deficiência, eu tinha a imagem de um aluno preguiçoso, desinteressado, que não se importava com o próprio futuro. Mal sabiam eles que eu estudava muito, mas não conseguia compreender os conteúdos e me culpava demais por isso. Afinal de contas, quando você ouve falar em deficiência, a primeira coisa que vem à cabeça é a figura de um cadeirante, de um cego ou de uma pessoa com síndrome de Down, não é mesmo? A deficiência intelectual não é visível, por isso continuamos invisíveis na sociedade.
Quando descobrem a minha deficiência, na rua, na escola, em família e em qualquer lugar, sinto o preconceito. No início, me sentia indiferente e excluído nos espaços. Não podia expressar minhas vontades, meus desejos. Queriam falar e decidir por mim. No ano de 2008, consegui o meu primeiro emprego com muita felicidade. O que era um sonho realizado, se transformou em tristeza. Fiquei doente e tive que me afastar por uma semana, por causa de uma conjuntivite. Quando retornei ao trabalho, meu gestor me criticou dizendo que eu estava faltando demais. Respondi que estava doente, mostrei o atestado médico, mas ele não se conteve e falou: “Vi você e seus amigos ‘loucos’ lá embaixo do prédio fazendo bagunça”. Meus amigos “loucos” eram meus colegas com deficiência intelectual que também trabalhavam na empresa. Naquele dia, tínhamos entrado correndo no prédio, porque o ônibus havia demorado para passar e não queríamos chegar atrasados.
Essas histórias são algumas das que me marcaram ao longo da minha vida. Por muito tempo, não tive apoio familiar, não tive amigos, não tive emprego e não tive ninguém do meu lado. Duvidava de mim mesmo e quase acreditei que era um ser imprestável na sociedade.
Em 2013, comecei a fazer parte do Programa de Autodefensoria da APAE DE SÃO PAULO junto com outras pessoas com deficiência intelectual. Lá, nos empoderamos e aprendemos a nos defender e a nos posicionar na sociedade. Nosso principal objetivo é lutar pelos direitos das pessoas com deficiência intelectual e para que mais ninguém seja discriminado como nós fomos. Participamos de audiências públicas, conselhos municipais e demais atividades políticas. Sim, nós temos opinião, podemos falar por nós mesmos e somos donos dos nossos direitos.
A partir desta experiência aprendi que tenho potencialidades e com o estímulo e apoio necessários, sou capaz de fazer qualquer coisa. Hoje, tenho sonhos e luto para conquistá-los. Sonho e luto para que não aconteçam mais maus tratos contra a pessoa com deficiência intelectual. Sonho em viajar o mundo, conhecer a Finlândia. Dizem que lá, a educação salvou o país. Sonho em casar e ter filhos.
Em setembro, participarei do I Seminário Internacional de Capacidade Legal e Tomada de Decisão Apoiada, em São Paulo. Estarei presente falando para diversos juristas sobre a importância de se trabalhar as potencialidades da pessoa com deficiência intelectual.
Meu nome é Ronie Vitorino Pires Novais, tenho 29 anos e deficiência intelectual, posso trabalhar, namorar e ter opinião. A minha deficiência não me define.
Autor:
Ronie Vitorino Pires Novais, autodefensor da APAE DE SÃO PAULO.
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